No julgamento do REsp n. 1.708.317/RS adotou-se o entendimento de
que a rescisão do contrato firmado com pessoa jurídica com até 30 (trinta) beneficiários,
por conduta unilateral da operadora, deve apresentar justificativa idônea para ser
considerada válida, dada a vulnerabilidade desse grupo de usuários, em respeito aos
princípios da boa-fé e da conservação dos contratos.
O referido julgado recebeu a seguinte ementa:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE CONHECIMENTO. SAÚDE
SUPLEMENTAR. DIREITO DO CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE
COLETIVO. VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL OU DE
SÚMULA. DESCABIMENTO. FUNDAMENTAÇÃO. AUSENTE.
DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA.
SÚMULA 211/STJ. INCIDÊNCIA DO CDC. RESCISÃO UNILATERAL E
IMOTIVADA. EMPRESA COM MENOS DE TRINTA BENEFICIÁRIOS.
FATO JURÍDICO RELEVANTE. ABUSIVIDADE CONFIGURADA.
MOTIVAÇÃO. NECESSIDADE. VULNERABILIDADE. RECONHECIDA.
BOA-FÉ E MANUTENÇÃO DOS CONTRATOS.
- Ação ajuizada em 27/10/15. Recurso especial interposto em
24/05/17 e concluso ao gabinete em 24/11/17. Julgamento: CPC/15. - O propósito recursal consiste em definir se a operadora está
autorizada a rescindir unilateral e imotivadamente contrato de plano
de saúde coletivo empresarial firmado em favor de pessoa jurídica
com 13 beneficiários. - A interposição de recurso especial não é cabível quando ocorre
violação de dispositivo constitucional ou de qualquer ato normativo
que não se enquadre no conceito de lei federal, conforme disposto no
art. 105, III, “a” da CF/88. - A ausência de fundamentação ou a sua deficiência importa no não
conhecimento do recurso quanto ao tema. - A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados
como violados, não obstante a oposição de embargos de declaração,
impede o conhecimento do recurso especial. - A Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/98) prevê que se aplicam
subsidiariamente as disposições do Código de Defesa do Consumidor
aos contratos de plano de saúde coletivo e individual/familiar (art.
35-G). - Apenas em relação aos contratos individuais/familiares é vedada a
suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, salvo por fraude ou
não-pagamento da mensalidade por período superior a sessenta dias,
nos termos do art. 13, II, LPS. - Há expressa autorização concedida pela Agência Nacional de
Saúde Suplementar (ANS) para a operadora do plano de saúde rescindir unilateral e imotivadamente o contrato coletivo (empresarial - ou por adesão), desde que observado o seguinte: i) cláusula
- contratual expressa sobre a rescisão unilateral; ii) contrato em
- vigência por período de pelo menos doze meses; iii) prévia notificação
- da rescisão com antecedência mínima de 60 dias.
- Contudo, a rescisão do contrato por conduta unilateral da
operadora em face de pessoa jurídica com até trinta beneficiários
deve apresentar justificativa idônea para ser considerada válida, dada
a vulnerabilidade desse grupo de usuários, em respeito aos princípios
da boa-fé e da conservação dos contratos. - Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte,
parcialmente provido. (REsp 1.708.317/RS, Rel. Ministra Nancy
Andrighi, Terceira Turma, julgado em 17/04/2018, DJe 20/04/2018)
Como bem salientado pela Ministra Nancy Andrighi em seu voto, a ANS, por
meio de resoluções normativas, expressamente autoriza a operadora do plano de saúde a
rescindir unilateral e imotivadamente o contrato coletivo, desde que haja previsão expressa
sobre a rescisão unilateral, o contrato esteja em vigência por período de pelo menos 12
(doze) meses e haja a prévia notificação da rescisão, com antecedência mínima de 60
(sessenta) dias.
Por outro lado, a Lei n. 9.656/1998 reservou tratamento específico para os
planos individuais e familiares, estipulando a proibição de suspensão ou rescisão unilateral
do contrato, excetuadas as hipóteses de fraude ou de não pagamento, mediante prévia
notificação acerca do inadimplemento.
Importante consignar, ainda, que há outro precedente da Terceira Turma
desta Corte, anterior àquele apontado pela embargante em suas razões, qual seja, o REsp
n. 1.553.013/SP, no qual o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva deu o correto tratamento
jurídico ao plano de saúde coletivo contratado por empresas com reduzido número de
beneficiários.
Confira-se a ementa do aludido julgado:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. SAÚDE SUPLEMENTAR. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. PLANO DE SAÚDE COLETIVO EMPRESARIAL. CATEGORIA. MENOS DE TRINTA BENEFICIÁRIOS. RESCISÃO UNILATERAL E IMOTIVADA. CLÁUSULA CONTRATUAL. MITIGAÇÃO. VULNERABILIDADE. CONFIGURAÇÃO. CARACTERÍSTICAS HÍBRIDAS. PLANO INDIVIDUAL E COLETIVO. CDC. INCIDÊNCIA. MOTIVAÇÃO IDÔNEA. NECESSIDADE. REAJUSTES ANUAIS. MECANISMO DO AGRUPAMENTO DE CONTRATOS. REAJUSTE POR FAIXA ETÁRIA. IDOSO. PERCENTUAL ABUSIVO. DEMONSTRAÇÃO. QUANTIAS PAGAS A MAIOR. DEVOLUÇÃO. PRESCRIÇÃO TRIENAL. OBSERVÂNCIA. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. As questões controvertidas nestes autos são: se é válida a cláusula contratual que admite a rescisão unilateral e imotivada do plano de saúde coletivo empresarial que contém menos de 30 (trinta) beneficiários e se a devolução das quantias de mensalidades pagas a maior deve se dar a partir de cada desembolso ou do ajuizamento da demanda. 3. É vedada a suspensão ou a rescisão unilateral nos planos individuais ou familiares, salvo por motivo de fraude ou de não pagamento da mensalidade por período superior a 60 (sessenta) dias (art. 13, parágrafo único, II, da Lei nº 9.656/1998). Incidência do princípio da conservação dos contratos. 4. Nos contratos de planos privados de assistência à saúde coletivos, admite-se a rescisão unilateral e imotivada após a vigência do período de 12 (doze) meses e mediante prévia notificação da outra parte com antecedência mínima de 60 (sessenta) dias, desde que haja cláusula contratual a respeito (art. 17, caput e parágrafo único, da RN ANS nº 195/2009). 5. Os contratos grupais de assistência à saúde com menos de 30 (trinta) beneficiários possuem características híbridas, pois ostentam alguns comportamentos dos contratos individuais ou familiares, apesar de serem coletivos. De fato, tais avenças com número pequeno de usuários contêm atuária similar aos planos individuais, já que há reduzida diluição do risco, além de possuírem a exigência do cumprimento de carências. Em contrapartida, estão sujeitos à rescisão unilateral pela operadora e possuem reajustes livremente pactuados, o que lhes possibilita a comercialização no mercado por preços mais baixos e atraentes. 6. Diante da vulnerabilidade dos planos coletivos com quantidade inferior a 30 (trinta) usuários, cujos estipulantes possuem pouco poder de negociação em relação à operadora, sendo maior o ônus de mudança para outra empresa caso as condições oferecidas não sejam satisfatórias, e para dissipar de forma mais equilibrada o risco, a ANS editou a RN nº 309/2012, dispondo sobre o agrupamento desses contratos coletivos pela operadora para fins de cálculo e aplicação de reajuste anual. 7. Os contratos coletivos de plano de saúde com menos de 30 (trinta) beneficiários não podem ser transmudados em plano familiar, que não possui a figura do estipulante e cuja contratação é individual. A precificação entre eles é diversa, não podendo o CDC ser usado para desnaturar a contratação. 8. Em vista das características dos contratos coletivos, a rescisão unilateral pela operadora é possível, pois não se aplica a vedação do art. 13, parágrafo único, II, da Lei nº 9.656/1998, mas, ante a natureza híbrida e a vulnerabilidade do grupo possuidor de menos de 30 (trinta) beneficiários, deve tal resilição conter temperamentos, incidindo, no ponto, a legislação do consumidor para coibir abusividades, primando também pela conservação contratual (princípio da conservação dos contratos). 9. A cláusula contratual que faculta a não renovação do contrato de assistência médica-hospitalar nos contratos de plano de saúde com menos de 30 (trinta) usuários não pode ser usada pela operadora sem haver motivação idônea. Logo, na hipótese, a operadora não pode tentar majorar, de forma desarrazoada e desproporcional, o custeio do plano de saúde, e, após, rescindi-lo unilateralmente, já que tal comportamento configura abusividade nos planos coletivos com menos de 30 (trinta) beneficiários. 10. É possível a devolução dos valores de mensalidades de plano de saúde pagos a maior, diante do expurgo de parcelas judicialmente declaradas ilegais, a exemplo de reajustes reconhecidamente abusivos, em virtude do princípio que veda o enriquecimento sem causa. Aplicação da prescrição trienal em tal pretensão condenatória de ressarcimento das quantias indevidamente pagas. Precedente da Segunda Seção, em recurso repetitivo. 11. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1.553.013/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 13/03/2018, DJe 20/03/2018)
A Quarta Turma do STJ passou a adotar o mesmo entendimento acima citado:
RECURSO ESPECIAL. CONTRATO COLETIVO DE PLANO DE SAÚDE COM MENOS DE TRINTA USUÁRIOS. NÃO RENOVAÇÃO. NECESSIDADE DE MOTIVO IDÔNEO. AGRUPAMENTO DE CONTRATOS. LEI 9.656/98. RESOLUÇÃO ANS 195/2009 e RESOLUÇÃO ANS 309/2012. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. 1. O artigo 13, parágrafo único, II, da Lei n° 9.656/98, que veda a resilição unilateral dos contratos de plano de saúde, não se aplica às modalidades coletivas, tendo incidência apenas nas espécies individuais ou familiares. Precedentes das Turmas da Segunda Seção do STJ. 2. A regulamentação dos planos coletivos empresariais (Lei n° 9.656/98, art. 16, VII) distingue aqueles com menos de trinta usuários, cujas bases atuariais se assemelham às dos planos individuais e familiares, impondo sejam agrupados com a finalidade de diluição do risco de operação e apuração do cálculo do percentual de reajuste a ser aplicado em cada um deles (Resoluçoes 195/2009 e 309/2012 da ANS). Nesses tipos de contrato, em vista da vulnerabilidade da empresa estipulante, dotada de escasso poder de barganha, não se admite a simples rescisão unilateral pela operadora de plano de saúde, havendo necessidade de motivação idônea. Precedente da Terceira Turma (RESP 1.553.013/SP, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJ 20.3.2018). 4. Para a caracterização do dissídio jurisprudencial, é necessária a demonstração da similitude fática e da divergência na interpretação do direito entre os acórdãos confrontados. 5. Recurso especial parcialmente conhecido, ao qual se nega provimento. (REsp 1.776.047/SP, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 23/04/2019, DJe 25/04/2019)
Acrescente-se ainda:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO APELO EXTREMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DA REQUERIDA. 1. De acordo com a jurisprudência do STJ, nos contratos empresariais de plano de saúde compostos por poucos beneficiários, em vista da vulnerabilidade da empresa estipulante, dotada de escasso poder de barganha, não se admite a simples rescisão unilateral pela operadora de plano de saúde, havendo necessidade de motivação idônea. Aplicação da Súmula 83/STJ. 2. Agravo interno desprovido. (AgInt no REsp 1.832.448/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 21/10/2019, DJe 23/10/2019)
Assim sendo, diante das considerações acima delineadas, nota-se que o entendimento sedimentado pelo STJ é no sentido de que, em decorrência da aplicação do CDC, os contratos coletivos de plano de saúde com menos de 30 (trinta) beneficiários não podem ser rescindidos unilateralmente pela operadora do plano de saúde sem motivação idônea.